quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

CONDITIONED NATURE - Galeria Pedro Torres

Exposição Individual de Pintura, por Rui Macedo
Galeria Pedro Torres, Logroño, 2009.


Conditioned Landscape #4, 2009, óleo s/tela, 80x120cm




Framed Still-life #6, 2008, óleo s/tela, 89x89cm


Vista geral 1


Vista geral 2



Conditioned Nature

Rui Macedo, na senda de uma pesquisa pictórica sobre os Géneros da Pintura, exibe, nesta exposição, Paisagens e Naturezas-Mortas que se apresentam aparentemente concordantes com os cânones compositivos apoiados nos modelos clássicos. Esta opção vai permitir que o espectador as reconheça e nomeie, imediatamente e sem equívocos, como Paisagens e Naturezas-Mortas.
Nestas Paisagens, que têm como mínimo denominador comum o elemento água, a sensação de distância resulta de um domínio da perspectiva aérea, porque a cor atmosférica é uma ilusão pictórica da densidade do ar.

Aparentemente são Paisagens desabitadas, embora exibam sinais da presença humana, umas pela alteração dessa paisagem e todas pelo(s) sinal(ais) exibido(s). Estes sinais representam-se como vestígios de gotas de chuva que se detêm num vidro, na colocação de um rectângulo vermelho centrado na composição, que evoca a mediação de uma lente fotográfica, e pela introdução de sinalética (informativa, de proibição ou de perigo, proveniente da aeronáutica ou dirigida a utentes de um determinado espaço ou utilizadores de um produto). Induzem uma outra interpretação na leitura de Paisagem herdada da tradição romântica novecentista, que vai subverter a contemplação tranquila para a tornar inquietante. É uma maneira de mediatizar a imagem, que, em vez de a aproximar do observador vai produzir uma desconfiança, justamente porque a compulsão do olhar perante a Paisagem, essa inevitável atracção pelo prazer que uma imagem paisagística parece oferecer, é substituída pelo alarme inerente a uma sinalética de perigo e/ou aviso. Perante uma aparente contradição visual – a indicação de uma advertência e o prazer intrínseco a esta tipologia imagética – o título vem sublinhar a intenção autoral: Conditioned Landscapes.

Subtilmente a informação de aviso perpassa transversalmente todas as pinturas da exposição e vai assumir uma forma «naturalizada» nas Naturezas-Mortas. O código universal de advertência, como artifício humano para alertar, é substituído pela inserção de flores e insectos específicos: as Rosas e as Vespas. Que «as rosas picam» é um dado adquirido. A cor de um animal é igualmente informativa. As vespas escolhidas por Rui Macedo, exibem cores que funcionam como aviso visual, um sinal de evidente perigo. Os insectos e as flores podem ser vistos ainda como referências ao exterior, como interferência do exterior natural no interior habitado. De igual modo, também a luz, ou antes, sobretudo a luz, protagoniza esta série de minúsculas «contaminações» alheias ao ambiente doméstico. Trata-se de uma luminosidade branca e solar, característica do exterior, e por isso estranha ao interior da casa (também por comparação com as primeiras pinturas da história da arte concebidas sob esta temática, onde a fonte de luz seria a vela). Pelo contrário, as Conditioned Landscapes são pintadas com uma claridade amarela e quente, ou seja, Rui Macedo troca a clássica correspondência da temperatura de luz com o respectivo género pictórico.

A escala da pintura de uma Natureza-Morta é tradicionalmente de reduzidas dimensões e apresenta-se numa relação muito próxima da proporção de 1/1 com os objectos reais, implicando uma relação de conformidade do representado com o espaço físico. As Naturezas-Mortas de Rui Macedo retratam em close-up a intimidade e imobilidade dos objectos pessoais, das pequenas colecções de frascos em vidro ou da selecção floral dos arranjos decorativos. Não reflectem necessariamente sobre a noção de objectos imóveis mas sim de objectos parados num instante ou vida parada num instante[1]. Não estamos perante a imobilidade como característica do representado mas perante a imobilidade que é consequência da ausência de tempo que a representação pictórica implica (sobretudo neste género). Só se tem consciência do não-movimento porque se tem noção de que, para acontecer o não-movimento, tem de haver, à priori, movimento. É também pela inserção de insectos voadores com as asas abertas que se vai sentir uma ténue alteração na quietude: porque o voo implica uma acção, um «ir/vir para», Rui Macedo acrescenta uma pequena narrativa, quase invisível, protagonizada por um elemento igualmente discreto, mas cuja presença altera totalmente as regras da cena.

Há ainda outra relação entre estas Paisagens e as Naturezas-Mortas: o enquadramento. As Paisagens surpreendem pela ilusão de profundidade e pela amplitude da imagem representada. As Naturezas-Mortas definem-se pelo pormenor do primeiro plano – tudo acontece numa relação de proximidade com o espectador – que será sublinhado pela representação de uma moldura. Esta moldura (que Rui Macedo pintou de forma a coincidir com os limites da tela) não só acentua os enquadramentos de todas as Naturezas-Mortas apresentadas, como vai, por ausência, estender as Paisagens que, assim, sugerem uma continuação para além dos limites físicos da tela, único enquadramento explícito (que se pode conceptualizar como moldura). A Paisagem é o enquadramento visual em que a natureza conserva a vida. No momento em que, a esse enquadramento, é retirada a vida, surge a Natureza-Morta. Também é imprescindível para esta observação a instalação alternada das pinturas na sala de exposição. A alternância do olhar entre Paisagem e Natureza-Morta consciencializa o observador para as diferenças pictóricas que manifestam as competências de quem faz, uma vez que apelam a técnicas distintas e a modos diferentes de concepção. De igual modo, torna patente intenções do autor, exemplificadas nas trocas de luz e nos jogos interior/exterior, quietude/acção, próximo/distante. Estas pinturas demonstram a necessidade do pintor em exercitar as suas aptidões: a imitação selectiva de precisão ilusionista, a capacidade para enganar o olho em relação ao pintado.

A Natureza-Morta não exibe linha-de-horizonte. O fundo é usualmente constituído por uma superfície que sugere ser opaca, associada a uma iluminação controlada para eliminar a distância pictórico/real e assim poder alimentar decisivamente a leitura de concordância com o espaço privilegiado para a sua colocação: o interior. Em contrapartida a Paisagem é, em última análise, determinada exactamente por uma linha-de-horizonte. Rui Macedo vem articular nesta exposição, os dois géneros que se definem por essa figura representacional: omissa na Natureza-Morta, determinante para a Paisagem. Na contemplação panorâmica, o infinito coincide com o fim da capacidade visual para ver ao longe. A linha-do-horizonte define-se nessa zona limite que separa a distância até onde se vê e o que está para lá. É a abstracção estabelecida no término da visualidade, o até onde do olhar, a partir de um ponto de vista fixo. Para lá da linha-do-horizonte continua a Paisagem, ainda que invisível.

[1] CALABRESE, Omar, Como se lê uma obra de arte. Lisboa: Presença, 1986, pag.25.
Margarida P. Prieto
Lisboa, 12 de Janeiro de 2009

PROJECT ROOM RUI MACEDO - ARTE LISBOA 2008

Vista 1
Vista 2