quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

MNEMOSYNE

Palácio do Catete & Galeria do Lago 
 Museu da República

Exposição individual
28 de Setembro a 8 de Dezembro de 2013
curadoria: Isabel Portella
Rio de Janeiro - Brasil


Palácio do Catete




























Mnemosyne

Deusa que personifica a memória, Mnemosyne era amada por Júpiter e mãe das nove Musas que protegiam as artes, as ciências e as letras. Na mitologia grega ela é o poder do Espírito, a Memória que garante a vitória do espírito sobre a matéria instantânea e funda toda a inteligência. É representada por uma mulher de idade quase madura, que segura o queixo em atitude de meditação. É nos Museus que a Memória encontra um espaço de acolhimento, lugares esses criados com o intuito de preservar e exaltar tudo aquilo que importa para determinado grupo social. Concebido para reunir e abrigar a memória de importante fase da História brasileira, o Museu da República também contempla a vida de António Clemente Pinto, português de origem humilde, que chegou ao Brasil em 1807, aos doze anos. Estabeleceu-se por conta própria e iniciou as atividades que o tornariam um dos mais ricos cafeicultores do Segundo Reinado. O caminho que o levou a constituir uma das maiores fortunas do Império não foi longo: em menos de vinte anos, já estava estabelecido na região serrana fluminense. Iniciou então o projeto de construção de sua residência na capital, a cidade do Rio de Janeiro, que viria a ser um dos mais exuberantes edifícios imperiais do Brasil. A história do Palácio começou a ser traçada mais exatamente em maio de 1858, quando foram fincadas as primeiras pedras que serviriam de alicerce à construção do edifício – o Palácio Nova Friburgo. Lembrando todo o percurso desta casa, ícone do luxo e do refinamento de uma época, encontra-se o artista Rui Macedo, também de origem portuguesa, que em pleno século XXI volta seu olhar atento às origens históricas deste espaço. O desafio imposto ao artista contemporâneo o leva a intervir, de forma sutil e cuidadosa, inserindo-se no ambiente da segunda metade do século XIX. Pintados em trompe-l’oeil, Rui coloca dois tapetes em ponto de Arraiolos em duas salas diferentes, tradicionais da cultura portuguesa que agora se encontram entre os objetos e os móveis do tempo do Barão. Ao colocar as telas diretamente no chão, por baixo de mesas e cadeiras, o artista promove uma outra decoração nos diversos ambientes do Palácio. Deixa sua marca que é, ao mesmo tempo, uma lembrança delicada da arte portuguesa contemporânea. Quem andar pelas diversas salas do Museu encontrará livros deixados a esmo sobre cadeiras e mesas, como se quem os estivesse lendo ali os tivesse pousado por momentos. Rui pintou as capas desses livros que fazem referência a diversos temas pertinentes à história, à república, ensaios filosóficos e romances históricos. Nada mais emblemático do que a literatura para marcar uma época, um pensamento. Com as páginas coladas, os livros não podem ser folheados. Seu conteúdo ficou para sempre selado, não podem ser lidos por mais ninguém. Pertencem, assim, ao passado nessa intervenção contemporânea. Tapetes em lugares estratégicos, livros deixados displicentemente em alguns aposentos, cadeiras um pouco desalinhadas são certamente sinais de vida e uso que modificam o olhar. Montados de acordo com a museologia, esses espaços guardam a rigidez e a imobilidade que procuram resguardar um acervo. Ao fazer essas inserções, percebidas pelos visitantes mais atentos, o artista proporciona um novo frescor que invade o Palácio e traz de volta a época em que era apenas a moradia do Barão de Nova Friburgo. Saindo do Palácio, Rui Macedo insere seu trabalho na Galeria do Lago, agora ocupando sua totalidade. Para criar uma atmosfera de galeria de presidentes, o artista dispõe 225 pinturas de retrato. À altura dos olhos, o artista coloca lado a lado, ao longo de todo espaço, os presidentes da República – de Deodoro da Fonseca a Dilma Rousseff. Em torno desses presidentes, Rui organiza outras figuras relacionadas ao período, à cultura, cientistas, arquitetos e, com um toque peculiar, seleciona desenhos animados de cada época. Pequenos núcleos, ou melhor, zeitgeist (o espírito de uma época) ocupam a Galeria do Lago. Fora do limite das paredes, Rui Macedo reconta a história. A Memória o ajuda, o impulsiona como a deusa grega que protege as artes. Mas ao recriar, ele inaugura uma arte coerente com a pesquisa, uma relação próxima que faz o visitante ir ao passado e ao mesmo tempo se sentir num momento especial. Se o espaço contextualiza seu trabalho, a inspiração fala mais alto e predomina nas diversas interferências. Se o pincel e tintas o levam para uma zona de ficção, um trompe-l’oeil, a história não o deixa fugir impune. O Palácio do Museu da República, criado pelo desejo e imaginação de um português, emocionou e atraiu, quase dois séculos depois, um outro português. O olhar contemporâneo de Rui Macedo viu além de paredes e telhados, procurou nos fragmentos a estrutura; nos detalhes, o essencial; no imóvel, o movimento audacioso. É o contínuo fazer e desfazer das coisas se construindo a cada momento. É Mnemosyne meditando.

Texto curatorial de Isabel Portella


Galeria do Lago














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